Dead Wars ou Gears of Space?
Em Outubro de 2008, a Electronic Arts e a Visceral Games deram a esta indústria uma das mais refrescantes propriedades intelectuais que esta geração de consoles conheceu. Enquanto Resident Evil se afastava das suas raízes, Dead Space mostrou como o futuro podia ser almejado enquanto se consagrava os clássicos do passado. Em 2011 tivemos a sequência com Dead Space 2, que continuava a história de Isaac Clarke e inseria elementos multiplayer, competitivo, enquanto levava a série para contornos mais cinematográficos e de ação, mantendo ainda assim um agradável equilíbrio em respeito aos elementos de destaque do original.
Agora, em 2013, temos a chegada de Dead Space 3 e talvez não seja de estranhar que o survival horror tenha sido praticamente colocado de lado e os jogadores fiquem agora perante uma espécie de blockbuster, um AAA, que mais parece lembrar as produções de Hollywood. O que não é ruim, mas dizer que só faltava aqui mesmo o balde de pipocas não é propriamente lisonjeiro, não é o que se pretendia. Talvez mais interessante seja a inserção do modo cooperativo para dois jogadores, e a completa retirada do competitivo do anterior (algo que aplaudo), que transporta a experiência para outros tons mais distantes do survival horror. Talvez mais importante que isso, e marcante, seja mesmo como toda a atmosfera se altera e mais parece que estamos perante um Gears of War, ou típico third-person shooter, do que num Dead Space.
A história não é propriamente o mais entusiasmante aqui, e para os novatos ou mais distraídos temos até um bem executado recuperar dos eventos já decorridos. Toda a sequência de eventos que ligam a jogabilidade parece banal e forçada, mas é mesmo ao estilo desses blockbusters cinematográficos de verão, o espetáculo está todo na imagem e na ação, não precisamente no enredo. Clarke tem uma nova tarefa e toda a humanidade está envolvida. O grande passo que a Visceral deu para levar a série mais ao encontro dos filmes de ação e aventura foi mesmo introduzir um vilão desprezível que vai proporcionar alguns momentos interessantes.
As primeiras duas horas de jogo são provavelmente as mais fulcrais para definir a identidade do jogo e para o jogador decidir se esta primeira impressão o agrada e cativa. Completamente desenquadrado de um Dead Space, temos aqui um típico TPS no qual Clarke desbrava seu caminho num ambiente futurista. Tudo aqui é ritmado, intenso e cheio de dinâmica, mas todo o esquema de jogo parece tudo, menos um DS. Está repleto de momentos intensos, cheio de adrenalina, com todo aquele fator 'WOW', e tudo mais que se pede num AAA mas nada do que se pedia a um jogo desta série. E é aqui que vamos entrar no principal dilema: será que este é um bom Dead Space ou "apenas" um bom jogo?
A resposta pode ser respondida com uma outra pergunta: 'O que pretendem de Dead Space?' Se pretendem um jogo com uma atmosfera singular de contornos survival horror que nos arrepia e desafia com mecânicas específicas de jogo (como munições/itens escassos ou uma constante sensação de perigo) então este jogo não é o que procuram. Se querem um jogo de ação estrondoso e vistoso lembrando os mais recentes e melhores exemplos dos jogos de ação em terceira pessoa num ambiente espacial com pequenos vislumbres de ambiente survival horror então podem ter aqui o jogo que procuram.
Dead Space 3 praticamente dá a mão ao jogador e se forem experientes no gênero então aumentem logo o nível de dificuldade para poderem usufruir de algo que traga desafio. Como referido, desde o primeiro contato que o jogo nos mostra que mudou e que temos aqui um TPS, um jogo virado para a ação. As munições são abundantes, os itens de cura são exagerados e em momento algum precisei comprar qualquer coisa para prosseguir, tal era a chuva de itens dos inimigos juntando aos montes e espalhados pelos níveis. Mais do que isso, em momento algum me vi perante a necessidade de gerir os itens que tinha e, só mesmo na criação de armas e melhoramento do traje é que precisei gerir meus recursos.
Aqui podemos recorrer ao Bench para criar nossas próprias armas, para melhorar as existentes ou para comprar itens. Esta última não foi precisa. Dead Space espantou com as suas armas arrojadas e Dead Space 3 mostra aqui que é um produto que partilha desse ADN. Desde armas que emitem rajadas elétricas, metralhadoras futuristas e até armas que lançam pregos ou serras, temos de tudo um pouco aqui e todas elas dão vontade de experimentar. Até porque muitas tem um método de disparo secundário que introduz na maioria um ataque totalmente diferente do primário. Pena que a inexistente gestão de recursos não nos force a criar as melhores armas e que a melhoria das já existentes seja tão fácil que não sentimos nenhum desafio.
A única intenção de impor qualquer vislumbre de desafio vem mesmo dos diferentes tipos de inimigos. Vão-se tornando cada vez mais exigentes com o avançar do jogo e são eles que causam situações diferentes e forçam comportamentos específicos no jogador. No entanto, não temos sequer a sensação de pânico ou impotência que uma gestão danosa nos anteriores causava, temos a plena certeza que perante um obstáculo ou não, estamos disparando rápido o suficiente, ou não temos a arma adequada ou então apenas precisamos melhorar a arma um pouco mais.
Neste jogo de ação em terceira pessoa, Clarke continua sendo avisado que os desmembramentos são um ponto imperativo das mecânicas de jogo. Tirar membros dos inimigos para diminuir o seu ritmo ou simplesmente para lhe causar mais dano é vital para a personalidade e jogabilidade de Dead Space, tal continua vincado e presente. Esse é mesmo um dos "cartões de visita" da série e, é refrescante perceber que continua tão firme neste terceiro jogo. Mesmo com a abundância de munições, é bom saber que os comportamentos tão distintos que são incutidos ao jogador continuam presentes.
Existem alguns puzzles que vão colocar um andamento diferente na experiência, mas na sua grande maioria centram-se na telecinesia e no girar de válvulas. Ainda assim impedem que se torne num shooter completo e que tenha ainda assim uma maior "alma" Dead Space. Alguns deles podem apresentar uma certa dificuldade mas não é esse o seu intuito. Algo que vai colocar uma nova dose de profundidade na jogabilidade são as missões secundárias. Apesar de algumas serem específicas do cooperativo, para forçar o jogador a aderir a esse modo, muitas delas vão premiar o jogador mais dedicado com uma boa dose de itens e maior longevidade na campanha.
Como já referido, temos aqui uma nova abordagem ao multiplayer na série Dead Space, na forma de um cooperativo para dois jogadores. É uma funcionalidade diria, curiosa, pois apesar de ser um elemento de praxe nos jogos de ação em terceira pessoa, mais uma vez não é o que eu pediria para esta série, e não foi um grande atrativo. A experiência pode até tornar o jogo mais apelativo, já que sentimos que o jogo foi feito com ela em mente, e alguns dos desafios sentem-me mais toleráveis no modo cooperativo. Mas isto é porque vão ao encontro dos TPS mais aclamados da atualidade, os confrontos bélicos, e não é o tom que se pede a DS.
Onde o jogo não vai desapontar é no seu componente técnico e se muitos acreditam que os visuais podem fazer um jogo afirmar-se ou perder-se então pode estar descansado em Dead Space 3. Frequentes foram os momentos de pura delícia visual fruto de uma criatividade artística e design bem interessantes. Luxuosos efeitos gráficos ajudam a criar momentos arrebatadores e paisagens deslumbrantes com um tom bem diferente do que temos visto na série. Desde paisagens urbanísticas a estações espaciais, de planetas gelados ao pôr-do-sol, Dead Space 3 tem uma interessante variedade de locais que vamos explorar e que deliciam visualmente. Este é mesmo um dos elementos que mais agradou no jogo, pois permitem que nos afastemos da fórmula original, ao menos fazemos com toda uma espetacularidade visual.
Um dos componentes mais estrondosos de Dead Space 3 é o som. Joguem com o mero som vindo da HDTV e provavelmente vão ter uma experiência aceitável mas juntem à mistura um bom sistema de som e preparem-se para sentir os pelos do corpo levantar. É fascinante como o som foi a única forma de me causar medo durante o jogo. Os sons vindos do nada, os sons vindos de cantos mais escuros nos momentos em que caminhamos pela escuridão, os sons dos monstros, a trilha sonora de tom cinematográfico, os efeitos sonoros das armas e o trabalho do elenco de atores dando voz aos personagens, tudo aqui brilha com qualidade. É indiscutivelmente um dos elementos que ajudou a criar personalidade na experiência.
Quanto ao resto temos aqui um jogo que vai dar algum desafio ao jogador dedicado, provavelmente os mais adeptos dos jogos de ação. Terminar a campanha no modo Normal representa um desafio quase inexistente, apenas os tais breves picos de dificuldade que se tornam previsíveis e após algumas horas dão que fazer. No entanto vão ser precisas cerca de 12 horas para terminar a campanha e caso queiram obter todas as conquistas/troféus então vão ter muito mais jogo. Se adicionarem o modo cooperativo temos em perspectiva o dobro das horas, mas quantidade pode não representar qualidade.
No final do dia a sensação que fica é que Dead Space 3 é um bom jogo, mas não um bom Dead Space. Dizer que novatos vão a ter melhor experiência do que os fãs que ergueram a série desde o lançamento não é um elogio que tenha prazer em dar à este jogo. Frequentemente frustrante, frequentemente desafiante e envolvente, Dead Space 3 é um jogo no qual a ambição cinematográfica o eleva a padrões qualitativos interessantes mas que o afasta por vezes radicalmente da atmosfera e ambiente que consagraram o original. Talvez em comparação, Dead Space 2 fosse um meio termo mais agradável, entre os ambientes claustrofóbicos e o tom cinematográfico. Dead Space 3 é um jogo que vai entreter, mas não vai ficar na memória.
Nota: 8/10
Estudante, dono e único administrador do site,é apaixonado pelos jogos de esporte, guerra e terceira pessoa.
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